Acredito, sinceramente, no valor dos pequenos prazeres. Todos os dias faço o possível para encontrar os meus aqui, acolá, do jeito que dá. Na volta de uma viagem de férias, por exemplo, gosto de reservar uns dias para olhar São Paulo como se fosse turista. Ir a um cinema na Avenida Paulista, às quatro da tarde, em plena segunda-feira sempre desperta em mim uma felicidade única.
Imaginar que sou dona do meu tempo, que nenhuma reunião me aguarda, que nenhum texto é urgente, que o mundo real persiste em seus passos incertos enquanto embarco livremente numa fantasia bem contada é um dos prazeres que mais valorizo na vida. Simples, barato, mas nem sempre disponível.
Foi com esse espírito que assisti, na última semana de janeiro, ao filme americano O lado bom da vida, que concorre ao Oscar em oito categorias. É uma comédia romântica, sem que isso seja um demérito. Não é daqueles caça-níqueis explícitos, que fazem a gente lamentar a escolha e o dinheiro gasto.
O bonitão Bradley Cooper faz Pat, um rapaz bipolar que tenta retomar o controle de sua vida depois de uma internação psiquiátrica. É com excesso de otimismo e apegado ao lema “Excelsior” (algo como “sempre pra cima”) que ele tenta se readequar à sociedade. Até que encontra Tiffany (Jennifer Lawrence), a mocinha igualmente complicada que tem compulsão por sexo.
Pat sofre um trauma e a doença aparece. Não, ele não é um sobrevivente do 11 de Setembro, nem um soldado que retorna da Guerra do Iraque. Adoece depois da traição da mulher.
Se todos os traídos pelo parceiro reagissem com o desequilíbrio de Pat a vida em grupo se tornaria impossível. Pois a impulsividade dos personagens é também uma marca da nossa sociedade. Por que há hoje tanta gente incapaz de processar e sobreviver às amarguras da vida? Esse é um bom assunto para outra coluna...
A vida é dura. Duríssima, se pensarmos em termos evolutivos e em tudo o que a humanidade precisou vencer para chegar até aqui. Fatores estressores sempre existiram. A questão é que cada ser humano é único e reage a esses estressores de forma diferente.
Nem toda pessoa submetida a um stress desenvolverá uma doença psiquiátrica. Felizmente, não. Mas ele pode ser o gatilho para o aparecimento dos sintomas se a pessoa já tiver propensão genética ao transtorno.
Os estudos demonstram que parentes próximos aos que sofrem de transtorno bipolar estão mais predispostos a desenvolver a doença que a média das pessoas. No filme, o pai de Pat, interpretado por Robert de Niro, também é impulsivo e demonstra sinais de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
A atuação de De Niro é memorável. Daqui a alguns anos, vou me lembrar desse filme como “aquele em que o De Niro tem um filho bipolar”.
Nesta semana soube que o ator se envolveu profundamente com esse trabalho. Ele chorou numa entrevista de TV ao comentar o fato de ter acompanhado a luta do diretor David O. Russell, que tem um filho bipolar de 18 anos. O garoto, Matthew, faz uma participação no filme. É o vizinho curioso que vive batendo à porta da família.
O filme contribui para que o transtorno bipolar seja conhecido, mas ele não pode ser banalizado. De uns tempos para cá, se dizer bipolar virou “in”. Há quem use camiseta com a inscrição “Sou bipolar”. Acho estranho.
Quem usa essas camisetas não faz isso por mal. Usa porque é “cabeça”, pega bem. Ou, quem sabe, porque acredita ser um modo de expressar que de perto ninguém é normal. Isso não significa que sejamos todos bipolares. Não somos.
Esse é um transtorno mental que acomete de 1% a 3% da população, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). No passado, era chamado de psicose maníaco-depressiva. É uma doença que precisa de diagnóstico correto e tratamento cuidadoso.
Quem sofre dessa doença alterna momentos de depressão e episódios maníacos, quando o paciente apresenta uma sensação de grande energia.
Pode permanecer acordado, agitado ou realizando tarefas durante muito tempo seguido, sem se cansar. Exatamente como vimos no filme.
A seguir, uma descrição dos sintomas mais comuns, preparada pela ABP:
O pensamento fica acelerado. Pode ser observada uma fala muito rápida ou um fluxo de ideias confuso, passando de um pensamento a outro por ligações tênues.
A pessoa pode acreditar que tem múltiplas capacidades ou ter uma sensação de grandeza (se achar um grande artista, político ou atleta, por exemplo)
O descontrole de impulsos pode se manifestar de várias formas:
• Gastos excessivos
• Direção perigosa
• Conduta sexual exacerbada
• Sensação contínua de alegria, que não pode ser abalada nem por pensamentos tristes
• Episódios de irritabilidade ou agressividade
• Gastos excessivos
• Direção perigosa
• Conduta sexual exacerbada
• Sensação contínua de alegria, que não pode ser abalada nem por pensamentos tristes
• Episódios de irritabilidade ou agressividade
Às vezes, os episódios de mania ou depressão podem ser acompanhados por sensações que não correspondem à realidade. Por exemplo, ouvir vozes que outras pessoas não podem ouvir ou julgar estar envolvido em algum tipo de conspiração ou plano.
Assim como ocorre com a depressão, as causas do transtorno bipolar são múltiplas: fatores bioquímicos (alterações em neurotransmissores), genéticos e ambientais.
Felizmente, essa é uma doença tratável. Não significa que seja fácil, mas aceitar a condição do paciente e persistir no tratamento torna a doença administrável.
O tratamento é feito com medicamentos chamados de estabilizadores do humor e pode ser complementado com sessões de psicoterapia.
Contribuir para quebrar o tabu que ainda ronda a psiquiatria e quem precisa dela é uma grande ajuda. David, Cooper, Jennifer e De Niro fazem isso de um jeito muito especial.
-Cristiane Segatto
Fonte : revistaepoca.globo.com
-Cristiane Segatto
Fonte : revistaepoca.globo.com
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